quarta-feira, 23 de maio de 2007

Enquete: política de cotas, a favor ou contra? Eis a questão



Você sabe o que é política de cotas? É quando uma porcentagem das vagas que dão acesso a uma instituição são reservadas para um determinado grupo social.
Os que são a favor das políticas de cotas concordam que existem problemas histórico-sociais que só serão superados quando for
garantido o acesso democrático às instituições tradicionalmente ocupadas por uma elite, construindo um equilíbrio entre todos os grupos que compõem a sociedade. E reforçam seu argumento dizendo que é preciso garantir direitos fundamentais da Constituição brasileira de 1988, como a erradicação da marginalização, a promoção do bem-estar de todos e a redução das desigualdades sociais.
Já aqueles que são contra as políticas de cotas se sustentam no também princípio constitucional e democrático de que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza e, portanto, os critérios que definem a concorrência por vagas devem ser iguais para todos.
No Brasil, todos concordam que só haverá uma maior inclusão social quando forem resolvidos problemas estruturais do ensino básico e fundamental. Os que defendem as políticas de cotas dizem que estes problemas existem faz décadas e que não é mais possível esperar. É preciso, portanto, incluir urgentemente para que as desigualdades socais não piorem ainda mais. Contudo, os que são contra dizem que se as políticas de cotas forem adotadas sem que estes problemas sejam resolvidos, estudantes supostamente mal preparados irão entrar nas universidades e nos postos de trabalho, agravando a situação.
Existem muitos tipos de políticas de cotas. A mais polêmica delas é a de cotas raciais. No Brasil, a questão da segregação racial esteve por um longo tempo fora da pauta de discussão dos políticos, mas sempre presente nas relações sociais do dia-a-dia (é só abrir os olhos e ver). Também existem cotas para estudantes de escolas públicas, cotas baseadas em critérios de renda e cotas para mulheres se elegerem a cargos públicos.
Você é a favor ou contra as políticas de cotas? Por quê? Leia o texto abaixo para se informar melhor e deixe a sua opinião neste espaço para debates.




Política de cotas: o nó da questão

Por que a polêmica está longe de se encerrar


Lorenzo Aldé

25/2/2003

Por que, agora, ressurge com toda a força o debate entre defensores e críticos da política de cotas? Muito simples: recentemente foram divulgados os resultados do primeiro vestibular no Estado do Rio de Janeiro a utilizar o critério de cotas em sua seleção. O que antes era apenas uma hipótese virou situação concreta na vida de muitas pessoas. Candidatos que obtiveram notas melhores do que aqueles selecionados pelos critérios das cotas, mas acabaram fora da universidade, estão entrando com processos na Justiça. Baseiam-se em um direito fundamental garantido pela Constituição Federal, aquele que representa as bases de qualquer democracia que se preze: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (artigo 5°). Segundo eles, a política de cotas é discriminatória, portanto inconstitucional. Não importa que a discriminação tenha como fim a inclusão social, ou seja, a igualdade: mesmo assim é uma discriminação. Têm ou não têm razão?

Esta é uma das poucas polêmicas diante das quais a maioria dos brasileiros bem informados não sabe muito bem que rumo tomar. Não cabem posições sectárias ou certezas ideológicas. Os argumentos de ambos os lados são incontestáveis e inconciliáveis. O que fazer?

Ninguém em sã consciência pode negar a situação de desigualdade social e de oportunidades em que se encontram os negros no país, construída historicamente e jamais revertida ou amenizada. Comprovam-no todas as estatísticas de acesso à educação e ao emprego, de renda, de acesso aos bens e serviços. Comprovam-no o senso comum e a simples observação do dia-a-dia. Os negros ainda são largamente discriminados e merecem, como cidadãos, políticas de inserção social. Ninguém pode ser condenado à pobreza e à exclusão por nascer negro. Ninguém pode ser condenado à pobreza e à exclusão, ponto. Se os negros são vítimas do racismo e do preconceito, o Estado tem o dever de buscar mecanismos legais para inclui-los na sociedade cidadã. Alguém há de negar?

Muito bem, o princípio é válido e urgente. Mas como defender a política de cotas tal como ela vem sendo implementada? Como defender qualquer política de cotas no Brasil? A história de nossa formação étnica e cultural difere radicalmente do exemplo norte-americano, país onde as cotas foram implantadas com sucesso, pela chamada política de “ação afirmativa”. Felizmente somos diferentes. O que há, nos Estados Unidos, é uma profunda cisão social e cultural marcada por determinantes raciais e étnicos. Os negros são os negros, têm seu lugar, sua linguagem, sua cultura na sociedade. São diferentes dos brancos e com eles não desejam “se misturar”. E vice-versa. O mesmo acontece com os latinos e com as demais “minorias” (já nem tão minoritárias assim). Triste país que não consegue construir um povo único.

É isto o que queremos para o Brasil? Políticas diferenciadas para pessoas diferentes? Seria exagero pensar que as políticas de cotas terão o efeito contrário do desejado? Em vez de promover a inserção social dos negros, podem acirrar preconceitos, criar uma falsa oposição entre negros e brancos, como se fossem dois povos diferentes disputando os mesmos nacos (minguados) de estudo e oportunidades sociais.

Há ainda outros problemas: como definir quem é negro, se no país os genes de todos nós são etnicamente heterogêneos, confirmando cientificamente nossa propalada mistura de raças? Este é um argumento cínico, dizem os pró-cotas. Quem é negro e discriminado, sabe que é negro e discriminado. Isto é verdade. Negro não se define pelo gene, mas pela aparência, pelo fenótipo. Mas quem vai averiguar as aparências de todos os candidatos universitários? Vamos utilizar o critério do IBGE, ou seja, a “auto-definição” de cor? No país do jeitinho, no estado da malandragem, num mercado pra lá de competitivo, seria ingenuidade acreditar no sucesso desse método.

E o artigo 5°? O que a Justiça vai decidir sobre a igualdade de todos perante a lei, quando o objeto é uma política que pretende promover a igualdade por meio da desigualdade no acesso? Complicado, não?

Diante de tantos obstáculos, parece impossível pensar numa solução prática para promover a igualdade de oportunidades entre brancos e negros, ricos e pobres, homens e mulheres. E então, desiste-se da iniciativa? Também isto é inaceitável. Não podemos nos conformar com as evidentes desigualdades que minam nossa democracia.

Onde reside o nó da questão?

Especialistas dizem que a grande discriminação se dá não na escola ou no acesso à universidade, mas no emprego: diante de dois currículos iguais, o branco leva vantagem. Políticas de cotas no funcionalismo público (que neste campo, devem beneficiar também as mulheres) já são implementadas, ainda que informalmente, país afora. A lei que determina o mínimo de mulheres candidatas nas eleições poderia também ser expandida aos negros. Com maior representatividade política, a luta pela igualdade racial poderia conquistar importantes avanços.

Ao fim e ao cabo, chegam todos a um consenso: a cisão começa a se dar na educação básica. O sucateamento dos serviços públicos, crescente na última década, aumenta o fosso de nossas desigualdades, relegando a pretos e pobres, “e quase brancos quase pretos de tão pobres”, a Educação e a Saúde que nenhum rico desejaria para seus filhos.

Se a Constituição Federal determina igualdade entre os cidadãos, o Estado é o primeiro responsável em construi-la. A Educação pública deve ser a Educação para todos, ricos e pobres, sem distinção. Deve ser a melhor Educação. A Saúde pública deve ser a melhor Saúde.

Com boa escola, boa saúde, boa casa, amplo acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, nossas crianças saberão, desde pequenas, o que é igualdade. E quando chegarem à idade propícia, acharão um desatino essa polêmica que seus pais (avós ou bisavós, dependendo de nossa urgência em mudar) travaram: “Cotas? Para quê, se somos todos iguais?”


Pesquisa feita no Vidigal
Os alunos da turma 4.2 B (tarde) do projeto guias cívicos realizaram uma pequena pesquisa na comunidade do Vidigal sobre a política de cotas. Foram feitas duas perguntas para cada entrevistado:

1) Você é contra ou a favor da política de cotas raciais? Por quê?

2) Você é contra ou a favor da política de cotas para estudantes de escolas públicas? Por quê?

Confira abaixo algumas respostas:

Entrevistado A:
1) Contra. Porque aumenta a discriminação racial.
2) A favor. Porque eu acredito que mesmo gerando polêmica é um sistema que, a longo prazo, diminuirá a pobreza, dando oportunidade para quem não pode pagar uma universidade.

Entrevistado B:
1) Contra. Porque até hoje existe racismo no mundo e ninguém consegue fazer nada para mudar este pensamento.
2) A favor. Porque os estudantes de escolas públicas não têm dinheiro para entrar nas universidades e essa seria uma boa oportunidade para os jovens ingressarem no mercado de trabalho.

Entrevistado C:
1) A favor. Porque as pessoas de baixa renda terão muito mais oportunidades.
2) A favor. Porque é uma boa oportunidade dos estudantes fazerem faculdade. Mesmo que tenham que estudar muito mais para isso.

Entrevistado D:
1) A favor. Porque eu não posso tirar a felicidade de ninguém.
2) A favor. Porque as pessoas de baixa renda precisam.

Entrevistado E:
1) A favor. Porque beneficia os negros, que são vistos de forma ruim pelas pessoas ricas.
2) A favor. Porque é bom para quem não tem condições de pagar os estudos.

Entrevistado F:
1) Contra. Porque esta dívida que eles acham que falta pagar é passado. Estamos vivendo em tempos modernos
2) Contra. Porque se a pessoa tem o objetivo de entrar para a faculdade, não interessa se é de escola pública, ela estuda bastante e entra para qualquer curso e faculdade que quiser.

Entrevistado G:
1) A favor. Porque as pessoas não têm muitas oportunidades.
2) A favor. Porque as pessoas de classe baixa não têm condições de pagar seus estudos.

Entrevistado H:
1) A favor. Porque perante a lei todos são iguais, então tem que ter 50% das vagas para negros e 50% para o restante das pessoas.
2) A favor. Porque se eu fosse cursar uma faculdade gostaria de receber este benefício.

Entrevistado I:
1) Contra. Porque eu acho que é uma forma de preconceito.
2) A favor. Porque o direito de uns é o direito de todos, sem distinção.

Entrevistado J:
1) A favor. Porque com a política de cotas podemos acabar aos poucos com o racismo no mundo.
2) A favor. Porque assim podemos ajudar as pessoas pobres.

Entrevistado K:
1) A favor. Porque uniria os negros aos brancos e mostraria que todo mundo é igual, independente da cor ser diferente.
2) A favor. Porque tinham que investir em ensino público. A falta desse investimento faz as pessoas não acreditarem nos governantes.

Entrevistado L:
1) Contra. Porque acho que a política de cotas não irá acabar com o racismo, pois isso vem de muito tempo e se fosse pra resolver alguma coisa teria resolvido desde a constituição de 1988.
2) A favor. Porque é uma boa proposta que garante uma parcela das vagas não apenas para estudantes de escolas públicas, mas também para negros e índios, dando uma boa oportunidade de entrarem nas universidades.

OBS: As entrevistas foram realizadas pelos estudantes: Alex Soares Aleluia (2); Érik Soares Aleluia (2); Eva Cristina Costa e Conceição (5); Gabriela Fernandes de Melo (6); Luiz Felipe Marques de Paiva (3); Luiz Flávio Marques de Paiva (3); Jhones Félix Izidoro (4); Sabrina Medeiros Santos (5). Somando um total de 30 entrevistas, das quais foram selecionadas 12 por estarem com respostas mais claras e mais completas.








terça-feira, 22 de maio de 2007

Momento de reflexão - abrindo um espaço para debate -



O outro Brasil que vem aí

Gilberto Freyre


Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.
O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
terão as cores das profissões e regiões.
As mulheres do Brasil em vez das cores boreais
terão as cores variamente tropicais.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil,
todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor
o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco.
Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funileiro
carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil
que tenha olhos para ver pelo Brasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil
coragem de morrer pelo Brasil
ânimo de viver pelo Brasil
mãos para agir pelo Brasil
mãos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos Brasis
mãos de engenheiro que lidem com ingresias e tratores europeus e norte-americanos a serviço do Brasil
mãos sem anéis (que os anéis não deixam o homem criar nem trabalhar).
mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternais de todas as cores
mãos desiguais que trabalham por um Brasil sem Azeredos,
sem Irineus
sem Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem de mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos
de padres benzendo afilhados
de mestres guiando aprendizes
de irmãos ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando
de doutores curando
de cozinheiras cozinhando
de vaqueiros tirando leite de vacas chamadas comadres dos homens.
Mãos brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
sindicais
fraternais.
Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí.


Poema escrito em 1926 e publicado no livro "Poesia Reunida", Editora Pirata - Recife, 1980, que nos foi enviado pelo escritor Antônio Prata, a quem agradecemos.


Conheça a vida e a obra de
Gilberto Freyre visitando "Biografias".

Este texto foi enviando por Luiz Felipe. É um poema de Gilberto Freyre intitulado "O outro Brasil que vem aí". Que Brasil é esse? É o Brasil do senhor e do escravo dando lugar ao Brasil do empresário e do proletário? Ou será que é o Brasil da democracia racial dando lugar ao Brasil da democracia do trabalho? Será que esse Brasil é possível? Ou será que os brasis se sobrepõem?

Este espaço pretende colocar questões e levantar dúvidas para que você possa dar sua opinião sobre os temas mais variados possíveis, mas que estejam sempre orientados para se pensar a sociedade.
Dê a sua opinião, logo abaixo, no espaço onde está escrito "fala aí!".